Descrição
O jovem Marx confiava, desde sua vida pré-revolucionária como editor da Gazeta Renana, que a imprensa livre expressava a realidade do povo e firmava uma opinião pública social independente das formas e controles burocráticos. Ela conferia uma dimensão democrática e universalizadora aos assuntos cotidianos. Noitadas não se afasta do exercício dessa vocação crítica e esclarecedora na qual acreditavam os jovens hegelianos de outrora e a boa imprensa até hoje. Não por acaso o autor assinala preferir Marx a qualquer outro, assim como qualquer revista à obscurantista Veja. O leitor pode abrir este livro em qualquer página. Mas não passar indiferente de uma página a outra, coisa que o estilo altamente criativo do autor não permitirá tão facilmente. E sendo o leitor um pouco mais atento, notará que tais textos não se resumem a um aglomerado de crônicas independentes. Que graça, afinal, teria a própria literatura se dela não fosse possível extrair alguns sentidos? E um dos sentidos deste livro é uma leitura dialética não moralista da realidade. Justamente as suas crônicas mais irreverentes, de argumentação menos formal, mas plenamente viva, é que melhor revelam isso.
São emblemáticos, nesse sentido, os textos sobre Tim Maia, Carla Bruni e mesmo sobre o tabagismo, numa inteligente alusão a Marilyn Monroe. Eles confluem para a crítica certeira, inspirada em 1968, de que a geração atual não peca pelos excessos, mas pela pobreza cultural de suas faltas. Jorge Mauricio Klanovicz, sempre por criativas associações, fala do drama da insustentável tristeza do ser e dos tempos nos quais os músculos se desenvolvem e a mente se atrofia. García Márquez, Kundera, Borges, Saramago, Che, Sepé e Fidel são heróis inspiradores das noites estreladas que este muito jovem e promissor escritor cambiou pelos dias.
Cabe compreender o significado profundo da afirmação de que desconhecer Niemeyer é somente um sintoma da cultura presente, assim como Hegel descreveu a consciência infeliz como aquela que tomou ciência de sua cisão, mas ainda não domina os meios para superá-la. Uma esquerda moralista não é dialética, porque coloca o dever ser no lugar anterior da necessária compreensão radical do ser. Assim, não consegue lidar direito com uma ética das verdades, nem com o exercício negativo da crítica libertadora. É por isso que figuras como ver os conflitos como globais, enunciar "viver sem interrupção", preferir "navegar" em vez de "surfar", podem ilustrar com coerência, nestas páginas literárias, a recusa do "conforto do esquecimento" e "a luta pela manutenção de algumas utopias". Paulo Denisar Fraga, filósofo e professor da Universidade Federal de Alfenas (MG)